O primeiro impacto é o cheiro forte, azedo e repugnante --uma mistura de suor, roupa suja e excrementos. Ouve-se um grito: "Tem um preso cuspindo sangue aqui!". Depois, a onda de calor que vem da cela. A visão de detentos amontoados em carceragens superlotadas completa o quadro visto pela reportagem em seis delegacias da região da Grande Vitória, na semana passada.
Na delegacia de Argolas, em Vila Velha, o calor embaça a lente da câmera do repórter-fotográfico e os óculos da repórter. Um preso passa mal e é retirado da carceragem. Marcos, 38, é algemado pelos tornozelos e fica sentado no corredor. Conta que está há dois meses preso. "Me sinto abandonado."
A situação do sistema prisional do ES será tema de painel amanhã na Comissão de Direitos Humanos da ONU, em Genebra. Um relatório vai mostrar o quadro degradante.
Na quarta-feira passada, 153 presos em Argolas ocupavam o espaço com capacidade para abrigar, no máximo, 40. Apenas dois policiais e dois agentes penitenciários guardavam o local. A Folha foi à delegacia no dia de visitas, adotadas para aliviar a pressão na carceragem. A irmã e a tia de um dos presos saem molhadas de suor após uma hora. "Não dá para ficar lá", diz Zilamara Rodrigues, 21.
No DPJ de Vila Velha, os presos não têm direito a visitas ou a banho de sol. Três ventiladores virados para a cela tentam diminuir o calor. Na última quarta-feira, 222 deles dividiam espaço destinado a 36. Para caber todo mundo, os presos ocupam também a área que era usada para o banho de sol e se organizam em "camadas": uns ficam agachados ou deitados; outros, em pé; e muitos, pendurados no alto, em redes ou nas grades. No dia seguinte, 60 presos foram transferidos para CDPs (Centros de Detenção Provisórios) construídos recentemente.
Já na delegacia de Novo Horizonte, em Serra, policiais civis armados dão cobertura aos agentes penitenciários quando eles precisam abrir as grades. Na quarta passada, a delegacia abrigava 304 presos. No chamado cadeião, 263 presos dividiam sete celas com capacidade para, no máximo, oito presos cada uma. No dia seguinte, 60 foram transferidos.
No DPJ de Laranjeiras, também em Serra, os presos disseram que se revezam à noite para dormir. Na parede da cela, uma inscrição registra o recorde no local onde cabem quatro: "32 presos em 20/10/2009".
Já no DPJ de Cariacica, 14 presos estavam algemados pelos pés no corredor da delegacia. Outros oito se amontoavam numa cela minúscula, com cerca de 2,5 m2. "A gente tem que cagar, tomar banho e dormir no mesmo lugar", disse um deles. "Isto aqui só passa revolta. Posso matar e roubar, mas sou gente", completou outro preso do Espírito Santo.
C/ Folha on line
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