quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Eleição de Mafra abre discussão sobre o papel do criminalista

(Por Maura Fraga)
O advogado Homero Mafra, eleito presidente da OAB-ES, resgatou a imagem de Sobral Pinto, um dos maiores juristas brasileiros, para amparar o seu direito de ser empossado.
Fez isso, ao citar o movimento que pretendia impedir a candidatura de Juscelino Kubitscheck à presidência da República.

"A União Democrática Nacional (UDN), extremamente conservadora, diante da vitória de Juscelino Kubitschek dizia: Não ganha, se ganhar não assume, se assumir não conclui o mandato.
Nós ganhamos, nós vamos assumir e nós vamos concluir o mandato" - anunciou Homero Mafra.

A VOZ DO ADVOGADO

Sobral conta em "Lições de Liberdade" como desarticulou um movimento anunciado pelo udenista Carlos Lacerda, no ano de 1955, quando o exército se colocou contra a candidatura de JK à presidência da República.

Boa parte dos militares não queria a candidatura. Alguns, escreveram uma carta ao presidente Café Filho dizendo que o PSD (Partido Social Democrático), deveria escolher outro candidato.

Sobral alertou Café Filho sobre a obrigação de comunicar o fato à Nação. O que ele fez, segundo o jurista. Teixeira Lott, então Ministro da Guerra, era um dos signatários do manifesto contra Juscelino.

O jurista Sobral Pinto recebeu Armando Falcão, amigo de Lott, com um pedido para que fosse visitar o militar. No encontro, Lott mostrou um bilhete de Juarez Távora pedindo a ele, Lott, que assinasse o manifesto contra a candidatura de JK, pois tinha as tropas nas mãos.

Juarez garantia que nenhum dos signatários seria candidato à presidência. Porém Lott se indignou ao ler nos jornais que Juarez seria candidato pelo PDC (Partido Democrata Cristão).

"Lott me disse que desejava mudar de posição, mas não sabia como fazê-lo. Tranquililizei-o. Vou fundar a Liga da Defesa da Legalidade, esse movimento se espalha pelo país e assegura a Juscelino o direito de se candidatar".

Sobral entrou para a história como o responsável pela candidatura e eleição de JK com essa atitude.

O jurista, em certa ocasião, criticado por defender o líder comunista Luiz Carlos Prestes - por indicação do presidente do Conselho da OAB, contrariando a fé católica que o fazia inimigo declarado do comunismo - não hesitou em responder:

"A mim sempre me pareceu que toda pessoa tem direito de ter a seu lado uma voz".

Inspirado certamente em Sobral, o criminalista Homero Mafra deu à chapa vitoriosa na eleição da OAB-ES o nome de " A Voz do Advogado".


A GRANDE DECEPÇÃO

A efervescência inicial das eleições para a OAB-ES, em 2009, com a inscrição de três chapas, apontava para o resgate do debate após anos de inércia em função do continuismo na instituição.

As gerações que viram a OAB trazer ao Espírito Santo homens como o jurista Raimundo Faoro, presidente nacional da Ordem, durante a sua peregrinação pelo país em busca da restauração do Estado de Direito, vibravam - assim como os jovens advogados, animados com a possibilidade de participar do debate democrático, restrito ao campo de idéias e propostas.

Logo após o primeiro debate, porém, todos entenderam que o rumo das discussões iria desaguar na reprodução do raciocínio do político mineiro José Maria Alkimin, ícone civil da ditadura: na ótica da ideologia dominante "o que importa não é a verdade, mas a versão".

O criminalista Homero Mafra foi insultado por defender acusados de crimes, e ao mesmo tempo confundido com os seus clientes. Como se a História do país não estivesse recheada de biografias de grandes criminalistas, que não obstante sua conduta irrepreensível, vivenciaram a mesma situação.


O PAPEL DO CRIMINALISTA

Em seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras, Evandro Lins e Silva , após se autodenominar "um cascabulho do direito", com 67 anos de carreira, mais de 50 no júri, definiu com propriedade o papel do advogado criminalista:

"Subi em todas as tribunas do Poder Judiciário. Foi o meu cotidiano durante mais de meio século. Nessas andanças, para dar uma notícia de sua abrangência, posso dizer-vos: fui do marítimo ao canônico. Sim, um acidente no mar e uma anulação de casamento religioso. Falei desde a mais modesta pretoria até a Corte Suprema. Falei perante o Senado e em Comissões Parlamentares de Inquérito. Falei no odioso Tribunal de Segurança Nacional, no Tribunal de Justiça Esportiva e até em alguns comícios. Falei vezes sem conta no Tribunal do Júri e falei em julgamento fictício de uma personagem de Shakespeare".

Lins e Silva defendeu mais de dois mil presos políticos, comunistas, integralistas e advogou para os considerados espiões da Alemanha nazista e da Itália fascista no Brasil.

Também defendeu o playboy Doca Street, assassino confesso da socialite mineira Ângela Diniz, musa do colunista Ibrahim Sued, morta com quatro tiros no rosto. No júri transmitido pela TV Globo, em 1979, Evandro enfrentou Evaristo de Morais Filho, que atuou na acusação.

Contratado pela família de Ângela Diniz para colocar Doca na cadeia, num segundo juri, o criminalista Heleno Fragoso ironizou o colega:

"Doca foi defendido por um grande advogado (Lins e Silva), que dominou integralmente o julgamento e fez uma defesa magistral, num certo tom triunfalista de que participou a platéia, e terminou por influenciar os jurados".

Em entrevista a "O Estado de S. Paulo", em 2001, Evandro Lins e Silva disse que nunca fez fortuna:

"Advogado criminal não enriquece. Pela defesa dos crimes políticos, jamais cobrei um centavo de honorários. Eu discuto o preço da liberdade de um indivíduo - e liberdade não tem preço".


HISTÓRIAS QUE SE CRUZAM

Outros criminalistas históricos também atuaram em questões polêmicas, como Evaristo de Morais (pai) que defendeu o militar Dilermando de Assis, assassino do escritor Euclydes da Cunha ("Os Sertões"). Ele enfrentou a fúria do país, que se mobilizava em defesa do escritor, traído pela mulher e por Dilermando.

Evaristo de Morais (pai) não era sequer formado - era um rábula. Mais tarde, porém, fez o curso de Direito e se tornou um dos principais criminalistas do país, além de fundar a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e o Partido Socialista no Brasil.

Evaristo de Morais Filho seguiu as pegadas do pai, foi criminalista e defendeu perseguidos políticos da ditadura sem cobrar, honrando a tradição que remonta a Rui Barbosa e o papel desempenhado por Sobral Pinto no Estado Novo.

Advogado de Juscelino Kubitschek, Fernando Gabeira, Hélio Fernandes e Carlos Heitor Cony, Morais Filho defendeu o ex-presidente Fernando Collor de Mello, sob o olhar de reprovação da absoluta maioria da opinião pública.

Outro caso polêmico, envolveu o criminalista Eurico Rezende, ex-governador do Espírito Santo, que defendeu - no caso da jovem Aída Cúri, jogada do alto de um edifício na Avenida Atlântica, no Rio, em 1958 - o capixaba Ronaldo Guilherme de Sousa Castro.

O rapaz, segundo dizem juristas ainda hoje, certamente não teria cometido o crime, porque foi visto saindo do prédio pelo comentarista esportivo Luiz Mendes, dez minutos antes da hora em que o corpo foi jogado.

Mas teve contra ele as mães do Brasil, o influente jornalista David Nasser, e os militares, pois um dos três envolvidos no crime era menor de idade e enteado de um general do exército.

Ronaldo, condenado a 37 anos de prisão em 1960, foi libertado em 1966. Eurico angariou muito ódio com essa defesa, principalmente das mães religiosas, que pediam a canonização da moça.

Em maio deste ano, faleceu em Brasília o jurista D'Alembert Jaccoud, nascido no Espírito Santo, o que motivou na imprensa nacional incontáveis artigos em sua homenagem. Ao sentimento da perda, somava-se a admiração pela coragem com que enfrentou a ditadura.

Como jornalista, esteve à frente das principais redações do país, no Rio e em Brasília. E se inscreveu na história quando mergulhou nas investigações sobre o desaparecimento do deputado federal Rubens Paiva, pai do escritor Marcelo Rubens Paiva (Feliz Ano Velho), nos porões da ditadura.

O caso, ainda não esclarecido, se não lhe custou a vida, como custou a Rubens Paiva, provocou a sua demissão de dois grandes jornais do país, e o fechamento das portas da imprensa por exigência dos militares no poder.

Para sobreviver, D'Alembert dedicou-se à advocacia e fundou com Nabor Bulhões- advogado do governo da Itália no recente Caso Battisti- o Jaccoud & Bulhões Advogados, em Brasília.

Como criminalista, D'Alembert defendeu, sem cobrar honorários, inúmeros presos politicos e vítimas da violação dos direitos humanos.

Coube também ao seu escritório, um dos mais conceituados do país, em épocas distintas, a defesa de Paulo César Farias, o PC Farias, tesoureiro de Collor, e dos capixabas, empresário Sebastião Pagotto (Caso Denadai), ex-deputado estadual José Carlos Gratz, ex-governador José Ignácio Ferreira, e do atual presidente do Tribunal de Contas do Estado, conselheiro Marcos Madureira.


O DIREITO DE TODOS À DEFESA

"Mesmo que a pessoa tenha sido presa por envolvimento com o crime organizado, ela tem direito a um advogado?" perguntaram jornalistas ao criminalista Flávio D'Urso - eleito há uma semana, pela terceira vez, presidente da OAB de São Paulo - e ele respondeu:

- Todos têm direito a um advogado, todos os que eventualmente, venham a sofrer uma acusação mediante processo criminal. Esse é um princípio constitucional. Ao lado da presunção da inocência, princípio muito importante que prevê que todos são considerados inocentes até que haja a sentença condenatória definitiva, temos a garantia constitucional da defesa. E é importante que se diga que essa garantia de defesa não é para garantir impunidade. É, isso sim, para que a pessoa seja submetida a um julgamento justo, onde os princípios constitucionais sejam observados, para que, se for inocente, seja absolvida. Se for culpada, com a prova dos autos, a advocacia tem um papel na tribuna da defesa no sentido de fazer com que a condenação se dê no limite da sua culpa.

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