O jornal O Estado de S. Paulo publica neste domingo (18) reportagem especial sobre o Judiciário no país. E reserva para o Espírito Santo a matéria que dá título a esse post, assinada por Felipe Recondo, enviado especial a Vitória. Confira:
"Os presídios e delegacias do Espírito Santo reúnem o que de pior pode ser encontrado no sistema carcerário - superlotação, infestação de ratos, esgoto a céu aberto, depósito de presos em contêineres, penas vencidas, presos sem acusação formal e até sem processo e prisões provisórias que se tornam condenações definitivas pela morosidade do Judiciário, leniência do Ministério Público e inoperância da Defensoria Pública.
Os exemplos encontrados no mutirão feito em maio foram, para os integrantes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), um choque da realidade e, paradoxalmente, um anestésico.
Depois de constatarem a realidade do sistema carcerário do Espírito Santo, alguns passaram a não se impressionar com a situação de outros Estados.
Três locais, em especial, simbolizam a situação - as delegacias de polícia judiciária de Vila Velha e de Novo Horizonte e o presídio de Viana.
Em Vila Velha, sete andares de redes estavam instalados para comportar 256 presos em uma cela para 36. O corredor, de poucos metros, por onde passam duas pessoas por vez, também abrigava presos. Todos dividiam um banheiro. Lá dentro, alguns dos detidos aguardavam, há mais de um ano, a primeira audiência do inquérito desde que foram presos.
Em Novo Horizonte, o pátio da delegacia era tomado por lixo, o que facilitou a infestação de ratos.
Alguns presos, conforme constatado pelo conselho, exibiam, nos pés e nas pernas, marcas das mordidas. No pátio destinado ao banho de sol, corria todo o esgoto vindo das celas. Do outro lado da pilha de lixo, o presídio chamado de modular: contêineres empilhados que servem de celas. Em cada um dos caixotões de aço, 24 presos dividem dez camas. Alguns dormem no chão.
Depois de inspecionados pelo CNJ, a delegacia de polícia judiciária e o presídio modular, em Novo Horizonte, foram interditados. Estão proibidos de receber novos presos.
A reportagem do Estado acompanhou, no início deste mês, a segunda inspeção do conselho no Estado.
A Casa de Custódia de Viana, que não pôde ser vistoriada de perto por falta de segurança, abriga 751 presos provisórios e 503 já condenados. Os detentos derrubaram as paredes que dividiam as celas e transformaram as instalações em um grande pavilhão. A falta de separação entre presos provisórios e condenados provoca, segundo os juízes que auxiliam o CNJ, disputas por poder, estupros e lesões corporais.
Exemplo disso foi a morte de um dos detidos dias antes de iniciada a inspeção do CNJ. José Carlos Antonio dos Santos, capturado em março de 2007 por furto simples, foi espancado até a morte por outros encarcerados. Pelo crime de que foi acusado, e a depender da sentença que fosse dada pelo juiz, Santos poderia estar fora do presídio no dia em que foi assassinado.
Não bastasse a precariedade das instalações dos presídios do Estado, os presos são vitimados pela burocracia do Judiciário e pela ausência dos magistrados que deveriam julgar os detentos e acompanhar a execução das penas, do Ministério Público e da defensoria.
Isso permite, conforme constatado pelo CNJ, que uma gama de direitos seja violada.Os casos são muitos. Fernando de Paula Silva permanecia preso durante o mutirão, mesmo depois de ter sido absolvido pelo júri.
No presídio modular de Viana, há presos provisórios que esperam há quase dois anos o julgamento. Os detentos do presídio de Argolas relataram ao Conselho Nacional de Justiça nunca terem recebido a visita da defensoria pública.
Essa ausência de defensores, do Ministério Público e a demora do Judiciário se traduzem nos números ao final do mutirão.
Dados que não colocam o Espírito Santo no topo do ranking do CNJ, mas que evidenciam o cenário encontrado pelo conselho - 154 presos foram soltos. Desses, 13 já haviam cumprido a pena a que foram condenados, 123 passaram para o regime aberto, 17 tiveram livramento condicional e um deles foi solto porque a legislação nova passou a considerar lícito o ato que o levou para a cadeia.
Outros 122 progrediram para o regime semiaberto. Podem trabalhar durante o dia e voltar ao presídio à noite.
Toda a situação encontrada motivou o Conselho Nacional de Política de Política Criminal e Penitenciária a pedir a intervenção federal no Estado. O pedido está sob a análise, desde maio, da Procuradoria Geral da República.
O governo do Espírito Santo já começou a investir na construção de novos presídios para desafogar o sistema carcerário. Investimentos milionários que levam integrantes do CNJ a admitir que o governo tenta fazer sua parte, mesmo não conseguindo solucionar a situação em caráter emergencial.
Em Serra (ES), a Secretaria de Segurança Pública inaugurou uma unidade modelo para presos provisórios e deve concluir outra no município de Guarapari até o próximo ano. Cada uma custará R$ 22 milhões. Um prédio novo deve ser inaugurado pela Secretaria de Justiça para substituir a casa de custódia de Viana.
No total, de acordo com o subsecretário de Segurança, André de Albuquerque Garcia, o Estado investe mais de R$ 200 milhões no sistema carcerário. Mas ele pede mudanças na legislação e no Judiciário, como a redução na quantidade de recursos, para acelerar os julgamentos. "Isso é um saco sem fundo. Não vou atribuir isso somente ao Judiciário, mas especialmente à legislação brasileira."
c/ o Estado de S. Paulo.
"Os presídios e delegacias do Espírito Santo reúnem o que de pior pode ser encontrado no sistema carcerário - superlotação, infestação de ratos, esgoto a céu aberto, depósito de presos em contêineres, penas vencidas, presos sem acusação formal e até sem processo e prisões provisórias que se tornam condenações definitivas pela morosidade do Judiciário, leniência do Ministério Público e inoperância da Defensoria Pública.
Os exemplos encontrados no mutirão feito em maio foram, para os integrantes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), um choque da realidade e, paradoxalmente, um anestésico.
Depois de constatarem a realidade do sistema carcerário do Espírito Santo, alguns passaram a não se impressionar com a situação de outros Estados.
Três locais, em especial, simbolizam a situação - as delegacias de polícia judiciária de Vila Velha e de Novo Horizonte e o presídio de Viana.
Em Vila Velha, sete andares de redes estavam instalados para comportar 256 presos em uma cela para 36. O corredor, de poucos metros, por onde passam duas pessoas por vez, também abrigava presos. Todos dividiam um banheiro. Lá dentro, alguns dos detidos aguardavam, há mais de um ano, a primeira audiência do inquérito desde que foram presos.
Em Novo Horizonte, o pátio da delegacia era tomado por lixo, o que facilitou a infestação de ratos.
Alguns presos, conforme constatado pelo conselho, exibiam, nos pés e nas pernas, marcas das mordidas. No pátio destinado ao banho de sol, corria todo o esgoto vindo das celas. Do outro lado da pilha de lixo, o presídio chamado de modular: contêineres empilhados que servem de celas. Em cada um dos caixotões de aço, 24 presos dividem dez camas. Alguns dormem no chão.
Depois de inspecionados pelo CNJ, a delegacia de polícia judiciária e o presídio modular, em Novo Horizonte, foram interditados. Estão proibidos de receber novos presos.
A reportagem do Estado acompanhou, no início deste mês, a segunda inspeção do conselho no Estado.
A Casa de Custódia de Viana, que não pôde ser vistoriada de perto por falta de segurança, abriga 751 presos provisórios e 503 já condenados. Os detentos derrubaram as paredes que dividiam as celas e transformaram as instalações em um grande pavilhão. A falta de separação entre presos provisórios e condenados provoca, segundo os juízes que auxiliam o CNJ, disputas por poder, estupros e lesões corporais.
Exemplo disso foi a morte de um dos detidos dias antes de iniciada a inspeção do CNJ. José Carlos Antonio dos Santos, capturado em março de 2007 por furto simples, foi espancado até a morte por outros encarcerados. Pelo crime de que foi acusado, e a depender da sentença que fosse dada pelo juiz, Santos poderia estar fora do presídio no dia em que foi assassinado.
Não bastasse a precariedade das instalações dos presídios do Estado, os presos são vitimados pela burocracia do Judiciário e pela ausência dos magistrados que deveriam julgar os detentos e acompanhar a execução das penas, do Ministério Público e da defensoria.
Isso permite, conforme constatado pelo CNJ, que uma gama de direitos seja violada.Os casos são muitos. Fernando de Paula Silva permanecia preso durante o mutirão, mesmo depois de ter sido absolvido pelo júri.
No presídio modular de Viana, há presos provisórios que esperam há quase dois anos o julgamento. Os detentos do presídio de Argolas relataram ao Conselho Nacional de Justiça nunca terem recebido a visita da defensoria pública.
Essa ausência de defensores, do Ministério Público e a demora do Judiciário se traduzem nos números ao final do mutirão.
Dados que não colocam o Espírito Santo no topo do ranking do CNJ, mas que evidenciam o cenário encontrado pelo conselho - 154 presos foram soltos. Desses, 13 já haviam cumprido a pena a que foram condenados, 123 passaram para o regime aberto, 17 tiveram livramento condicional e um deles foi solto porque a legislação nova passou a considerar lícito o ato que o levou para a cadeia.
Outros 122 progrediram para o regime semiaberto. Podem trabalhar durante o dia e voltar ao presídio à noite.
Toda a situação encontrada motivou o Conselho Nacional de Política de Política Criminal e Penitenciária a pedir a intervenção federal no Estado. O pedido está sob a análise, desde maio, da Procuradoria Geral da República.
O governo do Espírito Santo já começou a investir na construção de novos presídios para desafogar o sistema carcerário. Investimentos milionários que levam integrantes do CNJ a admitir que o governo tenta fazer sua parte, mesmo não conseguindo solucionar a situação em caráter emergencial.
Em Serra (ES), a Secretaria de Segurança Pública inaugurou uma unidade modelo para presos provisórios e deve concluir outra no município de Guarapari até o próximo ano. Cada uma custará R$ 22 milhões. Um prédio novo deve ser inaugurado pela Secretaria de Justiça para substituir a casa de custódia de Viana.
No total, de acordo com o subsecretário de Segurança, André de Albuquerque Garcia, o Estado investe mais de R$ 200 milhões no sistema carcerário. Mas ele pede mudanças na legislação e no Judiciário, como a redução na quantidade de recursos, para acelerar os julgamentos. "Isso é um saco sem fundo. Não vou atribuir isso somente ao Judiciário, mas especialmente à legislação brasileira."
c/ o Estado de S. Paulo.
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