sábado, 4 de abril de 2009

Nem mártir, nem herói, apenas uma voz

A última vez em que falei com Márcio Moreira Alves, ele me ligou, interessado em matéria no Espírito Santo. Na ativa, como jornalista, riu quando o assunto resvalou para os anos de chumbo. Como cavalheiro, duvidava que eu tivesse vivido aquilo. Mostrei-lhe que não era tão nova e que, menor de idade, fui processada pela ditadura.

Tudo o que se possa falar sobre Márcio, pode ser resumido no fato de que, o seu discurso, romântico e breve, foi o leitmotiv para os militares acabarem com a farsa e dominarem o país através do AI 5 .

Como todos vão dizer muito a seu respeito, limito-me a relembrar, com tristeza, que os parlamentares do Espírito Santo, em dezembro de 1968, quando o Congresso Nacional negou autorização para que o deputado federal Márcio Moreira Alves fosse processado, vergonhosamente se inscreveram na História.

As bancadas do Espírito Santo e da Bahia foram as únicas em que o Governo do marechal Arthur da Costa e Silva, como relatam pesquisas da Fundação Getúlio Vargas, não sofreu derrota.

Representavam o Estado, no Senado, Eurico Resende, Carlos Lindenberg e Raul Giuberti. Eram deputados federais, Argilano Dario- fundador do MDB; Dirceu Cardoso, João Calmon, Mário Gurgel-cassado em 1969-, Oswaldo Zanello- que levou 20 anos na Câmara dos Deputados- e Antônio José Miguel Feu Rosa- desembargador falecido, ex-presidente do Tribunal de Justiça.

Para identificar os que apoiaram o regime, basta verificar as ligações políticas posteriores de cada parlamentar.

Em 13 de dezembro de 1968, quando se decretou o AI 5, houve em Vitória eleição para a primeira diretoria da Associação dos Jornalistas Profissionais do Espírito Santo, tendo como presidente Oswaldo Oleari, o embrião do sindicato da categoria.

A cidade também recebeu Dom Helder Camara, o bispo pernambucano, considerado inimigo pelas Forças Armadas, que veio paraninfar os formandos em Economia da Universidade Federal do Espírito Santo.

Antes da cerimônia, num cinema local, Dom Helder teve um encontro com estudantes na Catedral de Vitória- ao abrigo da polícia- em que nos sentamos no chão para ouvir a sua mensagem.

No dia seguinte, ao chegar em Belo Horizonte, depois de Vitória, Dom Helder foi preso.

O 13 de dezembro de 1968, uma sexta-feira, marcou muitas vidas, inclusive a minha, que passei horas na Polícia Federal, em continuidade a um processo iniciado há meses. Fui mesária da eleição para a nossa associação representativa e participei da visita de Dom Helder.

Por coincidência, Márcio Moreira Alves se despediu da vida numa sexta-feira. Adiou a partida para 3 de abril. Negou-se a morrer no dia 1º, o verdadeiro dia do golpe militar, no que fez muito bem.

PS. O corpo de Márcio Moreira Alves será cremado na tarde de hoje, no Cemitério do Caju, no Rio de Janeiro.

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