terça-feira, 9 de junho de 2009

Relatório de Inspeções do CNJ nos estabelecimentos Penais e Sócio-educativos do Espírito Santo

1. Introdução

De um modo geral são péssimas as condições de encarceramento na grande Vitória, com problemas de superlotação, insalubridade, carência assistencial e falta de disciplina. Sem condições para uma correta individualização da pena e sem separação entre presos provisórios e condenados, é impensável falar em educação, capacitação profissional e ressocialização.

As observações e análises feitas a seguir têm por base as inspeções realizadas in loco e, também, os depoimentos colhidos dos diretores dos estabelecimentos.

2. Individualização da Execução

Não há, em nenhuma das unidades inspecionadas, qualquer critério para se separar presos condenados de presos provisórios. Na Casa de Custódia de Viana há 751 presos provisórios e 503 presos condenados vivendo em conjunto, sem separação e sem divisão por celas.

A Casa de Custódia, em especial, sofre de grave problema de disciplina, porquanto os presos destruíram todas as celas e estão separados unicamente por pavilhões, aproximadamente 400 presos em três pavilhões.

A quantidade de pessoas agrupadas em espaço tão reduzido e de indivíduos com graus de periculosidade tão díspares dividindo o mesmo espaço é um fator que pode promover sérias violações de direitos como, por exemplo, abuso sexual, lesões corporais e falta de acesso adequado à assistência material como alimentação.

É também grave a situação do Presídio de Novo Horizonte, onde existem relatos de prisão por furto simples, furto tentado ou, ainda, crime de dano, sendo que tais presos convivem com reincidentes em crimes dolosos contra vida ou cometidos com violência à pessoa.

Há casos como o de Fernando de Paula Silva que foi absolvido pelo júri, mas que, por mera burocracia da Polinter, continua detido em Novo Horizonte. O estabelecimento em si mesmo não foi concebido para atender presos condenados, mas há número significativo deles.

No Departamento de Polícia Judiciária de Vila Velha há apenas uma grande cela, na qual se amontoam 256 presos (a capacidade é para apenas 36), e apenas um sanitário. Não há qualquer separação de presos doentes ou presos idosos - todos dividem o mesmo espaço.

O Centro de Detenção de Novo Horizonte, também conhecido como Cadeia Modular ou, ainda, Cadeia dos Contêineres, tampouco estabelece qualquer divisão entre os presos.

3. Direitos Básicos

Houve reclamação geral quanto à qualidade da alimentação e à falta de produtos de higiene. Visualmente pode-se constatar que, em regra, a qualidade da alimentação não é boa.

Em Viana alguns presos relataram que a comida não era do dia. No dia da Inspeção na Casa de Custódia de Viana constatamos que a única via de acesso ao Estabelecimento estava tomada por lama que quase nos impediu de chegar de automóvel, e que estava dificultando a chegada da alimentação.

No Presídio Modular de Novo Horizonte há infestação de ratos e grande quantidade de lixo e entulhos acumulados no pátio.

Em Novo Horizonte há presos que têm marca de mordidas de roedores e a quantidade de lixo é tanta que há permanentemente chorume no piso do estabelecimento. A caixa de água tem vazamento que inunda o local para banho de sol e mistura lixo e esgoto a céu aberto.

Em Argolas as embalagens em que são servidas as refeições servem também para depósito de fezes, pois não há vaso sanitário na cela improvisada que fica no corredor que dá acesso às outras duas celas do estabelecimento.

Na DPJ de Vila Velha há sete fileiras de redes amarradas na cela e os presos ficam apenas deitados, pois não têm espaço para ficarem em pé, sendo que alguns estão nessas condições há mais de um ano, e sem espaço apropriado para banho de sol. Há presos como Márcio Alves da Silva que aguardam audiência há um ano nessas condições. O preso Paulo Ribeiro dos Santos está há um ano e meio na DPJ. Geovane Rosa de Jesus, preso por furto simples em 22 de novembro de 2007, também sofre com a falta de espaço e, principalmente o calor, pois, após tentativas de fuga, os policiais foram obrigados a colocar uma chapa metálica na parede externa, que, devido ao sol, aumenta a temperatura interna da cela para algo próximo de 50ºC.

Na DPJ de Jardim América há tanta gente que o agente carcerário é obrigado a solicitar ajuda de outros agentes e dos próprios presos para poder trancar as celas. Literalmente, os presos são socados dentro das celas. A assistência à saúde é extremamente deficitária. Há dificuldades não apenas em conseguir atendimento (alguns locais alegam que os médicos se recusam a atender os presos), mas também em obter autorização judicial para transferir presos para Viana, onde há serviço médico. Num ambiente assim sabe-se que a proliferação de doenças é comum, inclusive leptospirose. Há suspeitas de portadores de doenças infecto-contagiosas, inclusive tuberculose.

Em Vila Velha, o delegado Mário Brocco Filho oficiou ao Juiz da 6ª Vara Criminal de Vitória solicitando que avaliasse a possibilidade de conceder alvará a Paulo Marcos Machado Rabayole que, em função de doença, precisava de atendimento familiar. O detento não fora aceito em Viana. O atendimento era urgente. Conseguiu ser internado no Hospital Maternidade de Vila Velha. Dez dias depois o delegado novamente oficiou ao Juiz para informar que Paulo havia falecido e solicitar que, a partir de informações dos autos, comunicasse à família do detento para liberar o corpo no Instituto Médico Legal. Até o dia da inspeção o corpo aguardava liberação.

Ainda na mesma DPJ havia um preso seriamente ferido que sangrava muito. O sangue escorria no chão por baixo dos demais presos.

Em Jardim América houve infestação de furunculose. Vários presos purgavam pus
por meses.

3.1. Assistência jurídica

Em absolutamente nenhum estabelecimento foi relatada a presença da defensoria pública, que não faz atendimento in loco. Registre-se a presença de inúmeros presos há meses por furto simples, dano e receptação. No presídio de Argolas, relatou o administrador da unidade, há mais de 15 anos não aparece um defensor sequer. Raríssimos são os presos que contam com advogado. Outro fator a complicar a instrução processual é a notificação dos atos processuais. Com efeito, dado que é precária a alimentação de dados nos sistema da SEJUS e
SESP, nem sempre se sabe com exatidão em que estabelecimento se encontra o preso.

3.2. Educação e trabalho

Não há em nenhuma unidade, com exceção da UNIS, espaço ou infra-estrutura destinada ao estudo e aprimoramento da educação dos presos.

De um modo geral não há espaço físico reservado para tal fim.

Em nenhum estabelecimento há condições de trabalho, seja interno, seja externo, em face do descontrole da população carcerária.

3.3. Visitas

No Presídio Modular, embora afirme o diretor que o direito à visitação era permitido, as visitas só ocorriam no parlatório, um espaço entre grades de segurança destinado a receber visitas para os detentos. A dificuldade, contudo, era que essas grades só permitem o contato visual, sem ao um menos um cumprimento, aperto de mão, etc. A justificativa apresentada era que se destinava a receber tão-somente presos detidos provisoriamente e por pouco tempo. Rodney Teodoro, contudo, está preso há quase um ano neste estabelecimento. Em situação pior estão os presos incursos no art. 121 do Código Penal, há quase dois anos nessa situação, como, por exemplo, Julio Inácio Ferreira Sobrinho, Manoel Inácio da Silva Filho, Pablo Porfírio dos Santos, Valter José dos Santos, Girlis Dias dos Santos, Fredes Silva Santos.

Nos demais estabelecimentos são precários os espaços destinados à visitação dos familiares. São nesses espaços, aliás, que ocorrem as visitas íntimas. Em outras palavras, não foi encontrado local adequado para receber visitas íntimas em nenhum estabelecimento. No Presídio Modular elas sequer ocorrem, por absoluta impossibilidade de contato físico. Em Novo Horizonte são feitas em cima do chorume e do esgoto.

Com tais restrições e sem acesso à televisão, rádio ou jornal, os presos não têm contato com o mundo exterior. Muitos não acompanham notícia alguma. Os presos provisórios não votam. Em nenhum estabelecimento havia biblioteca - não lêem, não estudam, não tem atividade recreativa, ficam o tempo todo ociosos.

A frase mais ouvida dos diretores dos estabelecimentos era a de que os presos apenas permaneciam presos porque eles (os presos) assim o desejavam. As condições para fugas e rebeliões são sempre renovadas. Não há estrutura para construção de celas de proteção (celas de cuidado ou seguro) ou celas para regime disciplinar diferenciado.

Não há, nos estabelecimentos inspecionados, controle adequado da ficha cadastral dos presos. Em muitos não há prontuários, descontrole que, combinado à falta de assistência jurídica, pode levar à situações de excesso de prazo.

4. Estabelecimentos para Internação de Menores

É grave a situação das instituições sócio-educacionais, sem qualquer separação de idade e compleição física. Não há separação entre educandos maiores e menores. Na Unidade de Internação Sócio-Educativa alguns deles dividiam o mesmo espaço em contêineres a céu aberto. O Centro Integrado de Atendimento Sócio Educacional de Vitória também não desconhece essa realidade, ainda que o estabelecimento seja dedicado apenas a triagens iniciais, que deveria ser de apenas poucos dias, mas conta com menores aguardando triagem em condições absolutamente precárias há mais de trinta dias.

Na UNIS havia menores guardados em contêineres.

Duas dessas caixas metálicas estavam expostas ao sol, sem banheiro e sem água encanada. Nessas condições, eram obrigados a defecar e urinar dentro do próprio contêiner e, ao início do dia, o piso era lavado e os excrementos depositados ao lado das caixas metálicas. O cheiro é repulsivo. Uma das celas estava fora de prumo e os excrementos dos adolescentes ficavam acumulados como um córrego no canto sulcado do caixote. Alguns adolescentes vomitavam.

Quando a equipe do CNJ chegou no local alguns menores foram à enfermaria. No
caminho, tornavam a vomitar. Um deles alega que vomita sangue.

Não há separação entre os menores, em função da idade, compleição física e ato infracional. Não têm entrevista privativa com os membros do Ministério Público. Não porque tal direito lhes fosse negado pelos diretores dos estabelecimentos, mas porque, especificamente no caso da UNIS, há anos nenhum promotor faz inspeção no local, conforme informou a diretora.

Raríssimos são os que conseguem advogado. A inspeção constatou que a Defensoria Pública jamais atendeu aos internos da UNIS e do Centro Integrado. Os que têm advogado sabem pouco da situação do cumprimento das medidas. Os pedidos, segundo alegam, são negados sem fundamentação – em que pese reiterados pareceres favoráveis de assistentes sociais e psicólogas.

Falta-lhes, ainda, tratamento condigno. Vários menores estão em contêineres. Dois desses módulos estão expostos às intempéries climáticas. Sob o sol, o calor dentro da caixa chega a 50º.

Cerca de 120 menores foram transferidos, no dia 11/05/09, para a Comarca de São Gabriel da Palha, a 180km de Vitória, distantes de suas famílias e presos num Centro de Detenção Provisória para adultos. Os menores foram para lá recolhidos em função de uma reforma que seria feita na UNIS, mas houve denúncias de que teriam sido transferidos para que a superlotação não fosse percebida por ocasião da inspeção do CONANDA, ocorrida no dia seguinte à transferência, no dia 12/05/09, com autorização judicial mas sem parecer do Ministério Público.

Neste CDP chama a atenção a rigidez disciplinar a que estão submetidos os internos. É comum o uso de spray pimenta, sendo que também foram utilizadas granada de gás lacrimogêneo e granada de efeito moral. As revistas para entrar e sair das celas são vexatórias: os adolescentes ficam nus, sob os olhares das agentes femininas. Há muita ociosidade entre os jovens. Não há um livro sequer no estabelecimento. É reduzido o horário para práticas desportivas.

Não há nenhuma atividade educacional. Grave, contudo, é a violação do direito de visita familiar. São Gabriel fica a aproximadamente três horas de Cariacica (município onde se localiza a UNIS). Não há linha de transporte que leve os familiares ao estabelecimento. A direção da UNIS teve que providenciar um veículo para fazer o transporte dos parentes. O problema, contudo, é que muitos têm de faltar ao trabalho para poderem chegar ao local. A própria transferência só foi tardiamente comunicada aos familiares. Por três semanas, os adolescentes
não receberam uma visita sequer.

5. Recomendação Finais

Cumprimento integral dos compromissos firmados perante o Conselho Nacional de Justiça.

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