(Texto de Maura Fraga)
Paulo Hartung foi o primeiro governador da base aliada do Governo Lula, no país, a afastar o candidato lançado à sucessão para atender ao apelo de Brasília e permitir que se cumprisse o acordo firmado entre o PSB e Dilma Rousseff na noite de segunda-feira última.
Tornou pública a decisão menos de 48 horas após o presidente nacional do PSB e governador de Pernambuco, Eduardo Campos, anunciar, em reunião com a candidata de Lula e os coordenadores de sua campanha, que os socialistas retirariam a pré-candidatura de Ciro Gomes em troca do apoio do PT aos seus candidatos em pelo menos seis estados, entre eles o Espírito Santo.
Depois disso, o que interessa esclarecer, na troca da candidatura do vice-governador Ricardo Ferraço (PMDB) pela do senador Renato Casagrande (PSB), para o Governo do Espírito Santo, é o leitmotiv de tanta pressa por parte de Hartung.
Uma das hipóteses é de que teria pavimentado o terreno para retirar a candidatura de Ferraço há algum tempo. Mas não há como acreditar que a escolha do substituto pudesse recair sobre Casagrande, um adversário reconhecido nacionalmente por sua folha de serviços parlamentares e, por conseqüência, fadado a permanecer no Palácio Anchieta nos próximos oito anos. Tudo o que Hartung não queria em seu caminho.
CASA EM ORDEM
Antes de se tornar coadjuvante da sucessão 2010, o governador exerceu o papel de ator principal.
Fez do Poder Legislativo uma casa sem vozes dissonantes, como a Seleção Brasileira de 78, cujos dissidentes eram punidos com a não-convocação. Transformou em fortes aliados o Ministério Público e o Poder Judiciário. Dominou o Tribunal de Contas, um reduto histórico de adversários. Tornou-se quase unanimidade entre os prefeitos e garantiu na bancada federal, se não um bom grupo de amigos, pelo menos de dissimulados.
Casa arrumada, escolheu um sucessor, o vice Ricardo Ferraço, o que lhe assegurou no segundo mandato a paz com o deputado Theodorico Ferraço (DEM), de Cachoeiro de Itapemirim, que chegou à Assembléia se auto-intitulando “homem-bomba" e depois silenciou para preservar o filho.
A SURPRESA
Pronto para deixar o Palácio Anchieta, Paulo Hartung sofreu um revés por sua distração em relação aos Direitos Humanos. Pressionado por denúncias que chegaram à ONU contra o sistema carcerário do Estado, viu-se obrigado a recuar.
Por falta talvez de conhecimento histórico, o governador esqueceu que as questões relacionadas aos Direitos Humanos têm força para destruir carreiras políticas. Exemplo no Espírito Santo, o governador Christiano Dias Lopes Filho, responsável pela inclusão do Estado na área da Sudene, que caiu no ostracismo por subestimar no Governo denúncias sobre o Esquadrão da Morte, criado na Polícia chefiada por seu irmão.
Sem clima para sair candidato, Hartung optou por concluir o mandato e comandar as eleições. Mas, ciente da sua popularidade, do fato de que no Poder influenciaria na votação em todos os níveis e como a sua própria situação só se definiria em 2014, o governador resolveu testar a classe política totalmente dependente dele.
Fez como o rei cristão que tomou uma mesquita e mandou queimar todos os infiéis que lá se encontravam. Houve protestos, pois havia também fiéis naquele meio, mas sem piedade ordenou aos seus soldados: “Queimem assim mesmo. Depois Deus separa, tira os dele e deixa os outros no inferno."
CONFLITOS
Menos de duas semanas após o seu "fico", Hartung tirou o tapete do vice Ricardo Ferraço com suas declarações ambíguas sobre o apoio que deveria dar a ele como sucessor, prometendo se definir em junho, época das convenções.
Fez um convite que não poderia ser aceito ao prefeito João Coser, de Vitória, para a disputa do Senado, de olho na Prefeitura da Capital, que tem como vice seu ex-chefe de gabinete (Coser recusou, mas a essa altura já era coordenador de uma campanha desidratada de Ricardo Ferraço).
Ofereceu publicamente ao prefeito Sérgio Vidigal, da Serra, apoio para o Governo em 2014, antes prometido (embora não de forma explícita) a Coser.
Deu margem ao surgimento de boatos sobre a candidatura do senador Gerson Camata (PMDB) à reeleição, o que criaria uma briga doméstica, pois a mulher Rita, deputada federal, pré-candidata ao Senado pelo PSDB, espera os votos do marido que vai deixar a política.
Do tumulto não escapou o senador Magno Malta - aliado do governo por vias transversas -, em busca da reeleição, que no desespero anunciou o seu rompimento com o grupo palaciano e entrou em rota de colisão com o prefeito de Vila Velha, Neucimar Fraga, seu principal aliado, do PR e evangélico como ele.
As chamas do incêndio também reacenderam no coração do deputado federal Camilo Cola um sonho antigo de tornar-se senador da República. Cargo que disputou, sem sucesso, por duas vezes: antes e depois da abertura política.
Há tempos Camilo também pavimenta uma nova estrada, sem dizer por que o faz. Trouxe de volta a Cachoeiro de Itapemirim a sede da sua empresa, a Viação Itapemirim, que há anos levou para São Paulo. A volta se deu justamente após a desistência de Hartung em concorrer ao Senado.
O empresário também teria investido em uma grande empresa de comunicação do Estado, sem tornar-se dono em caráter oficial, o que lhe daria poder de fogo para a disputa, que não teve nas vezes anteriores.
Mas, nem o temperamento sereno de Camilo resistiu à confusão. Fugindo ao seu estilo habitual, o megaempresário deu declarações interpretadas como um rompimento com Ricardo Ferraço e passou pelo dissabor de ter de negar depois.
O incêndio na mesquita capixaba já ia bem adiantado, quando surgiu o bombeiro vindo de Brasília: o senador Renato Casagrande, escolhido a portas fechadas pelas cúpulas do PT e do PSB, sem participação de representantes do estado.
Desde a sua chegada, as chamas diminuíram. Há fogachos aqui e ali, mas todos bem pontuais.
O QUE MOTIVOU
Definida a chapa majoritária e assegurado o palanque para Dilma Rousseff, a situação no estado parece resolvida. Agora, voltamos à pergunta inicial: "Por que Paulo Hartung correu tanto para ser o primeiro do Brasil a descartar um candidato de sua escolha e atender a Lula?"
O que motivou essa última tentação capaz de garantir, a um só tempo, generosos espaços na imprensa nacional; a gratidão de Lula e Eduardo Campos - que comanda os estados do nordeste na guerra da divisão dos royalties do pré-sal - e a volta ao convívio com o senador Casagrande, que andava distanciado?
A escalação para um bom cargo, no futuro, como o comando da Petrobras - a jóia da coroa de qualquer Governo - pode ser uma resposta. Outra? O desejo de, após o incêndio promovido, surgir como pacificador e ter as rédeas da política regional. A terceira e última: o fato de, na realidade, nunca ter considerado o vice o sucessor por ele idealizado. E por que não as três?
Bingo, Maura! Entre os motivos pode estar NDA, Nenhuma das Anteriores, pois PH é imprevisível. Tudo indica q a coisa não vai ficar assim; virão alguns chumbinhos, finos ou grossos, por aí. Qual será a próxima tentação desses moços, pobres moços?
ResponderExcluirNada como uma repórter vivida e experiente para amarrar várias pontas de uma mesma corda de enforcado. É isso mesmo. Paulo Hartung brincou de Tiradentes com o pescoço dos outros (são muitas as vítimas que ficaram para trás)e acabou no cadafalso do bloco "Malandro demais se atrapalha".
ResponderExcluirDas três opções expostas por você, Maura, todas tem sentido. Mas, faltou uma, essencial pra fechar essa história de fim melancólico de um falso democrata e stalinista enrustido.
A decisão sobre Casagrande, passou também pelo PMDB que considerou PH nada confiável pra garantir o apoio à Dilma.Já havia precedente com o próprio Lula.Vozes como de Renan Calheiros e Romero Jucá foram decisivas pra que o governador engolisse a seco o nome de Casagrande, sob pena de intervenção no partido.
E, no final, a coisa acabou mesmo em intervenção branca, preta, azul, não importa. Atropelaram PH, o PMDB e o PT locais.
Parabéns pelo texto. Muito lúcido.
ResponderExcluirAgora, vamos ver as cenas dos próximos capítulos. Principalmente depois que as eleições passarem.
Maura, parabéns por este artigo. Muito lúcido e oportuno, ele mostra de forma crua e limpa o que de fato aconteceu em toda esta história.
ResponderExcluirPena que o jornalismo de nossa terra não tem esse equilíbrio e a imparcialidade que faz ética e que esse seu artigo desnudou.
o que acho pior em tudo isso é constatar que político não tem alma nem coração e muito menos digitais...
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